O governo federal, em mais uma manobra fiscal questionável, publicou a Medida Provisória (MP) nº 1.227, que altera significativamente a sistemática de não-cumulatividade do PIS/Cofins. Sob o pretexto de compensar as perdas decorrentes da desoneração da folha de pagamento, a União está criando uma nova distorção que deve prejudicar milhares de empresas em diferentes setores da economia.

A medida, que pegou de surpresa CFOs e departamentos jurídicos, tem como objetivo arrecadar R$ 29,3 bilhões – mais do que os R$ 26 bilhões que o governo vai abrir mão com a desoneração. No entanto, o impacto dessa mudança será brutal para as empresas, especialmente para as exportadoras e os setores do agronegócio, combustíveis e medicamentos.

Atualmente, quando uma empresa paga o PIS/Cofins na compra de insumos para sua operação, ela pode compensar esse valor para abater outros impostos, evitando a cumulatividade tributária. Com a nova regra, no entanto, ela só poderá usar os créditos do PIS/Cofins para reduzir seus pagamentos do próprio PIS/Cofins. Isso vai gerar perdas relevantes para empresas que têm quase toda sua receita vinda da exportação, já que essa atividade é imune do PIS/Cofins.

As distribuidoras de combustíveis também serão duramente afetadas. Elas vão continuar gerando os créditos do PIS/Cofins ao longo de sua cadeia, mas não terão a geração do débito, devido à tributação monofásica do setor. Há ainda casos de empresas que geram o débito, mas numa escala menor do que acumulam os créditos.

O impacto dessa medida será imediato no caixa das empresas, que terão que usar recursos para pagar impostos que antes eram pagos com os créditos do PIS/Cofins. Embora as empresas possam, em tese, pedir à Receita o ressarcimento desses créditos acumulados, a probabilidade de uma resposta célere é baixíssima, dado o objetivo declarado do governo de arrecadar.

Essa manobra fiscal vai na contramão do discurso do próprio governo sobre a Reforma Tributária. Como acreditar na promessa de um regime não cumulativo, se agora o governo dá uma rasteira dessas na não-cumulatividade? A medida deve gerar uma enxurrada de processos, com empresas buscando liminares para continuar compensando esses créditos.

É lamentável que, em vez de buscar soluções estruturais para o desequilíbrio fiscal, o governo opte por medidas paliativas que prejudicam a competitividade das empresas brasileiras. Essa MP vai contra os princípios da não-cumulatividade tributária e da segurança jurídica, pilares fundamentais para um ambiente de negócios saudável e propício ao crescimento econômico.

O governo precisa rever urgentemente essa medida e buscar alternativas que não onerem ainda mais o setor produtivo. A reforma tributária, tão aguardada pela sociedade, deve ser pautada pela simplificação, transparência e justiça fiscal, e não por manobras que apenas transferem o ônus para as empresas.

É hora de o governo demonstrar coerência entre o discurso e a prática, promovendo um sistema tributário mais racional, eficiente e favorável ao desenvolvimento econômico do país. Sem isso, continuaremos patinando em um cenário de incertezas e insegurança jurídica, afastando investimentos e comprometendo a geração de empregos e renda.

*Gustavo Bachega é presidente do Instituto Brasileiro de Precatórios (IBP), presidente da Comissão de Precatórios da OAB/SP - Subseção Pinheiros, coordenador do grupo 09 de trabalho da Reforma Tributária e CEO do Grupo Bachega (Original Precatórios, Bachega Advogados, B7 Solutions, B7Tokens, B7FIDC, B33FIDC e IBP Educação). É autor do livro "Precatório na Prática".