A recente aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei complementar (PLP 459/17) que regulamenta a securitização da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios levanta sérias preocupações sobre o futuro das finanças públicas no Brasil. Sob o pretexto de aumentar a capacidade de investimento dos entes federados sem a necessidade de aumentar impostos, essa medida abre as portas para a privatização de um patrimônio público estimado em R$ 5 trilhões.

A securitização, em essência, é uma operação de venda com deságio dos direitos de receber uma dívida, tributária ou não. O projeto aprovado prevê que essa transação será considerada uma venda definitiva de patrimônio público, e não uma operação de crédito, o que contorna a proibição estabelecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, essa manobra jurídica não esconde os riscos inerentes a essa prática.

Ao permitir que entes federados vendam suas dívidas ao setor privado, o projeto transfere o risco de não pagamento pelo devedor ao investidor. Embora esse risco seja amortizado pelo deságio e minimizado pela mistura de créditos de diferentes níveis de risco, não há garantias de que os investidores não concentrarão suas compras em créditos com maior potencial de pagamento, deixando para o poder público os créditos de difícil recuperação.

Além disso, a destinação dos recursos obtidos com a cessão dos direitos sobre os créditos da administração também é questionável. Apenas 50% serão direcionados a despesas associadas a regime de previdência social, enquanto a outra metade será destinada a despesas com investimentos. Essa divisão arbitrária ignora as reais necessidades e prioridades de cada ente federado, podendo comprometer a sustentabilidade fiscal a longo prazo.

Outro ponto preocupante é a possibilidade de criação de sociedades de propósito específico (SPEs) pelos entes federados para a cessão dos créditos, com dispensa de licitação. Essa brecha abre espaço para a falta de transparência e para possíveis favorecimentos a grupos de interesse, minando a confiança da população na gestão dos recursos públicos.

O argumento de que a securitização é necessária devido à ineficiência das procuradorias em recuperar os créditos em dívida ativa também não se sustenta. Em vez de privatizar esse patrimônio, o foco deveria ser no aprimoramento da eficiência do Estado na cobrança dessas dívidas, fortalecendo as instituições públicas e garantindo a preservação do interesse coletivo.

É importante ressaltar que a securitização da dívida ativa não é uma solução mágica para os problemas fiscais enfrentados pelos entes federados. Ao contrário, ela pode representar uma armadilha, comprometendo as futuras gerações e dificultando a atuação dos movimentos sociais na fiscalização do uso dos recursos públicos.

Antes de aprovar medidas como essa, é fundamental promover um amplo debate público, envolvendo a sociedade civil, especialistas e representantes de diferentes setores. Somente assim será possível construir alternativas que conciliem a necessidade de investimentos com a responsabilidade fiscal e a transparência na gestão do patrimônio público.

A privatização da dívida ativa, sob o manto da securitização, é um passo arriscado que pode comprometer a capacidade do Estado de atender às demandas da população e garantir a prestação de serviços essenciais. É preciso cautela e reflexão antes de embarcar nessa aventura, cujos benefícios são incertos e os riscos, potencialmente devastadores.